Este semestre estou matriculado como aluno visitante numa disciplina do curso de graduação em História da UDESC sobre Música Popular e Cultura Brasileira. Semana retrasada fizemos uma avaliação escrita. A proposta de dissertação e o meu texto são apresentados abaixo. Na versão ora aqui publicada, incluí algumas informações, mas basicamente o texto é o mesmo.
Dissertação escrita - Analise a seguinte citação:
A música popular brasileira é reverenciada, imitada e aplaudida em todo o mundo e, não por acaso, a bossa nova se impôs nos Estados unidos (para ficar só neste caso) há mais de quarenta anos. [...] Mas, se a música popular brasileira pode ter uma representatividade incomum, que não se vê em praticamente em nenhuma outra cultura, o mesmo não ocorreu com o ensino da música popular nas universidades brasileiras, ainda bastante recente.
Lilian Harb Bollos. A canção popular brasileira através do olhar de Wisnik.
Com base na citação acima, analise o papel que a música popular ocupa no debate sobre a modernização da cultura brasileira e sua inserção como objeto de estudo na Universidade.
SOBRE FETICHISMOS, VANGUARDAS E... MÚSICA POPULAR!
Com relação ao papel que a música popular ocupa no debate sobre a modernização da cultura brasileira, há algumas considerações a fazer. Primeiro, é preciso refletir sobre as condições sociais e históricas que têm levado as pessoas a suscitarem um debate sobre essa temática. Na esteira dessa reflexão, também é necessário discutir a respeito dos conceitos modernização, cultura e brasileira. Para mim, não é clara a origem dessa reflexão, mas vou me arriscar a pensar que ela emerge na própria elite universitária no Brasil, o que justifica o qualitativo brasileira dado à cultura, ou seja, agentes sociais, fomentados (de certa forma) pelo governo brasileiro, preocupados com a legitimização dos índices de nacionalidade (literatura, música, arte, folclore, história, economia, cultura, música etc.). Já o conceito de cultura também é complexo (e complicado, diria Alfredo Bosi). Nesse contexto, me parece mais plausível que a cultura eleita como tal (alguns diriam com letra maiúscula) seria os elementos associados aos grupos letrados de onde a maioria dos intelectuais se originou, em detrimento da cultura menor, as atividades do cotidiano, que muitas pessoas ignoram como cultura. A concepção de que a cultura pode se modernizar, também a partir dessa lógica, torna-se plausível. Modernização significa atualização, e – pensando no caso do Brasil, uma ex-colônia europeia, - esse objeto de desejo da intelectualidade e governo brasileiros seria o de keep up with the Joneses – se equiparar aos vizinhos europeus e, por extensão – e circunstância de época –, americanos.
O exemplo da bossa nova como um estilo de música brasileira que se impôs no mercado americano não deixa de ser interessante. Primeiro, porque as condições de surgimento da bossa nova no Brasil indicam o intenso diálogo entre os produtores desse gênero e a música americana, anterior mesmo ao Chega de Saudade de João Gilberto. Não quero questionar a origem brasileira ou não da bossa nova, como fez Tinhorão, mas apenas chamar a atenção para os apagamentos que a citação de Lilian Bollos nos apresenta. Em segundo lugar, reverenciar, imitar e aplaudir a música brasileira não necessariamente significa que ela seja de qualidade. Não vou me atrever aqui a propor um tratado do que seja a “boa” música ou não, mas vou pelo menos criticar certo fetichismo com relação à bossa nova e de como a música popular no Brasil torna-se muitas vezes refém desse fetichismo, afinal são tantos os banquinhos e violões que propostas vanguardistas de música muitas vezes não têm espaço na mídia, nos discos e nos debates sobre música popular no Brasil. Como indício da minha crítica, cito o texto de Nelson Motta no encarte do CD Elis Regina Montreux Jazz Festival: “[...] Elis montou com César [Mariano] e André [Midani] um show com seus grandes sucessos [realizado em 1979 na Suíça], até mesmo o inevitável ‘Upa Neguinho’, poucas canções políticas e, meio contrariada, mais bossas novas do que gostaria: eram obrigatórias no circuito internacional.”
A associação entre música e fetichização aparece no clássico texto de Theodor Adorno, que criticava – devido aos avanços técnicos de reprodução da música como os discos, o rádio e o cinema – a padronização/repetição da música ouvida pelas massas de trabalhadores na Europa nos anos de 1930 e 40 (e depois nos EUA quando se mudou para lá). Segundo ele, o ouvinte passou a ter uma audição reduzida, distanciando-se da produção musical (usando uma nomenclatura atual) alternativa. Não acredito na tese de Adorno como explicativa de todos os casos de produção cultural, cuja complexidade desafia os postos e pressupostos do filósofo alemão, mas em alguns deles, como citado acima com relação à bossa nova, de certa forma, acho apropriado.
Falando em vanguardas e fetiches, cito Alfredo Bosi (p. VIII-IX):
As verdadeiras vanguardas espirituais de hoje estão pondo em xeque todo o projeto pseudo-racional que nos arrastou ao ponto que hoje estamos; e têm oposto, vigorosamente, a ecologia e a tecnologia sem riscos humanos ao industrialismo cego; os grupos de base às organizações-polvo; o projeto de um socialismo pobre ao frenesi do consumo; a conversa entre os que trabalham aos ditames da burocracia; a voz, o canto e o gesto ao fetiche da página impressa...
Sabendo que Alfredo Bosi é um intelectual da área da literatura, me parece importante sua observação, que desloca a supervalorização da palavra escrita (à qual a literatura geralmente é associada) para a palavra oral – e mais, para além da palavra, introduzindo o canto e o gesto (pensando que esses elementos não são necessariamente dependentes da palavra). Parece-me que é justamente essa tríade – a voz, o canto e o gesto – a responsável pela singularidade do objeto música popular. Sabemos que a Universidade, até anos recentes, praticamente ignorou esse objeto, seja por ele ser considerado impuro demais para as análises folclóricas, seja por se constituir de uma outra linguagem, a qual serviria apenas como fonte para estudos sobre atores iletrados e grupos subalternos no Brasil (ver Vinci de Moraes, 2000). Entretanto, essas novas dimensões analíticas para além da página impressa, trazem novos elementos para a reflexão de nós mesmos, nossas socializações, conflitos etc. Não quero propor aqui um novo fetichismo – o da voz, do canto e do gesto (ou da voz e da performance) – mas sugerir que esses elementos são centrais na análise da música popular e não meramente amostras de teses que passam ao largo da música popular.
Referências:
ADORNO, Theodor. O fetichismo na música e a regressão da audição (1938). Citado por NAPOLITANO, Marcos. História & Música. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.
BOSI, Alfredo. Um Testemunho do Presente (1977). In: MOTA, Carlos Guilherme. Ideologia da Cultura Brasileira (1933-1974). São Paulo: Ática, 1990. P. I-XVII.
MOTTA, Nelson. Elis em Montreux. Encarte do CD Elis Regina Montreux Jazz Festival. Warner Music Brasil, 2001.
TINHORÃO, José Ramos. Os pais da bossa nova (1966). In: ___. Música popular: um tema em debate. 3. ed. rev. amp. São Paulo: Ed. 34, 1997, p. 25ss.
VINCI DE MORAES, José Geraldo. História e música: canção popular e conhecimento histórico. Revista Brasileira de História. São Paulo, v.20, no 39, 2000, p. 203-221.
quarta-feira, 30 de setembro de 2009
terça-feira, 8 de setembro de 2009
Coisa Mais Maior de Grande
Dia desses estava ouvindo um disco do Gonzaguinha, quando parei pra prestar atenção numa música que já conhecia há alguns anos, mas que só então me dei conta da grandeza da coisa, sabe comé que é? hehehe... Segue a letra abaixo:
COISA MAIS MAIOR DE GRANDE
(Gonzaguinha)
Enquanto eu acreditar que a pessoa é a coisa mais maior de grande
Pois que na sua riqueza revoluciona e ensina
Pois pelas aulas do tempo, aprende, revolta por cima
Eu vou cantar... Por aí
Eu vou cantar... Por aí
Bonito é que gente é sempre assim tão diferente de gente
Assim como a voz que ecoa não é mais a daquele que grita
E essa beleza, na dessemelhança, me aguça a cabeça, me agita
Eu vou cantar... Por aí
Eu vou cantar... Por aí
Que nada se repete sob o sol
O movimento da vida não deixa que a vida seja sempre igual
Pois nada se repete, nem o sol
Pois veja que o bem só é bem pra quem ele
Faz bem mas pr'um outro pode ser um mal
Pois nada se repete sob o sol
O pai já não é mais o filho, nem foi o avô e nem é o irmão
Nada se repete, nem o sol
Que pena daquele que pensa da sua exata continuação
Na desparecença dos tempos aprendo as tranças e tramas
Das novas lições
Eu vou cantar... Por aí
O disco, Coisa Mais Maior de Grande - Pessoa (EMI, 1981), por sinal é ótimo. Eu particularmente gosto das faixas inicial e final, que são pot-porris com convidados pra lá de especiais. Na primeira faixa estão as músicas: 'Geraldinos e Arquibaldos II' (com Alcione), 'Simples Saudade', 'Coisa Mais Maior de Grande', 'Quando Se Chega', 'Légua Tirana' [de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira] (com Luiz Gonzaga e Milton Nascimento a capella!!) e a sempre presente nas coletâneas 'Eu Apenas Queria Que Você Soubesse'. E encerram o disco: 'Fala Brasil' (com Roberto Ribeiro), 'Trabalho e Festa', 'Colheita', 'Redescobrir', 'Agalope' e 'Esperança'. Há também músicais incidentais em ambas as faixas, como 'Sangrando', 'Chão Pó Poeira', 'Galope', 'Nada Será Como Antes' [de Milton Nascimento e Ronaldo Bastos] e 'Pai Grande' [de Milton Nascimento]. É Gonzaguinha (todas as músicas são de sua autoria, salvo quando indicado) se aproximando do universo musical do pai, Gonzagão, e de Milton Nascimento.
Áudio Gonzaguinha
COISA MAIS MAIOR DE GRANDE
(Gonzaguinha)
Enquanto eu acreditar que a pessoa é a coisa mais maior de grande
Pois que na sua riqueza revoluciona e ensina
Pois pelas aulas do tempo, aprende, revolta por cima
Eu vou cantar... Por aí
Eu vou cantar... Por aí
Bonito é que gente é sempre assim tão diferente de gente
Assim como a voz que ecoa não é mais a daquele que grita
E essa beleza, na dessemelhança, me aguça a cabeça, me agita
Eu vou cantar... Por aí
Eu vou cantar... Por aí
Que nada se repete sob o sol
O movimento da vida não deixa que a vida seja sempre igual
Pois nada se repete, nem o sol
Pois veja que o bem só é bem pra quem ele
Faz bem mas pr'um outro pode ser um mal
Pois nada se repete sob o sol
O pai já não é mais o filho, nem foi o avô e nem é o irmão
Nada se repete, nem o sol
Que pena daquele que pensa da sua exata continuação
Na desparecença dos tempos aprendo as tranças e tramas
Das novas lições
Eu vou cantar... Por aí
O disco, Coisa Mais Maior de Grande - Pessoa (EMI, 1981), por sinal é ótimo. Eu particularmente gosto das faixas inicial e final, que são pot-porris com convidados pra lá de especiais. Na primeira faixa estão as músicas: 'Geraldinos e Arquibaldos II' (com Alcione), 'Simples Saudade', 'Coisa Mais Maior de Grande', 'Quando Se Chega', 'Légua Tirana' [de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira] (com Luiz Gonzaga e Milton Nascimento a capella!!) e a sempre presente nas coletâneas 'Eu Apenas Queria Que Você Soubesse'. E encerram o disco: 'Fala Brasil' (com Roberto Ribeiro), 'Trabalho e Festa', 'Colheita', 'Redescobrir', 'Agalope' e 'Esperança'. Há também músicais incidentais em ambas as faixas, como 'Sangrando', 'Chão Pó Poeira', 'Galope', 'Nada Será Como Antes' [de Milton Nascimento e Ronaldo Bastos] e 'Pai Grande' [de Milton Nascimento]. É Gonzaguinha (todas as músicas são de sua autoria, salvo quando indicado) se aproximando do universo musical do pai, Gonzagão, e de Milton Nascimento.
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sábado, 5 de setembro de 2009
Samba de Um Breque
SAMBA DE UM BREQUE
(Guinga - Aldir Blanc)
Música pra mim
é feito o ar que eu sorvo,
a mão que eu movo
e o coração
na sístole e diástole
é a prima e o bordão
o traço de união que há
entre blues, Kalu,
a índia e o Caramuru...
O meu breque-blue
é assim uma startrek
no infinito de Bangu
um beque de subúrbio
que surfasse em Honolulu,
um jegue que no Jockey Club
com freio nos dentes
derrotasse alazões...
Chuva nas manhãs
e a música soa:
no orfeão de rãs
solfeja a lagoa,
sola um sabiá
modula a garoa,
lírios pedem bis...
...e quem tem o dom,
pega no ar,
quem sai do tom,
deixa pra lá...
Música pra mim
é um grito de socorro,
se termina eu também morro.
Ela é my body and soul
e vem o corvo do Allan Poe
e prega um nevermore geral
- cinzas, Fênix
reciclando o meu carnaval.
Música pra mim
não é um megaevento,
é um pega-pra-capar,
questão de sentimento:
o afogado em pleno mar
que agarra a mão do vento e ri,
usa o sofrimento pra poder flutuar...
Ouça Fatima Guedes cantando Samba de Um Breque aqui.
(Guinga - Aldir Blanc)
Música pra mim
é feito o ar que eu sorvo,
a mão que eu movo
e o coração
na sístole e diástole
é a prima e o bordão
o traço de união que há
entre blues, Kalu,
a índia e o Caramuru...
O meu breque-blue
é assim uma startrek
no infinito de Bangu
um beque de subúrbio
que surfasse em Honolulu,
um jegue que no Jockey Club
com freio nos dentes
derrotasse alazões...
Chuva nas manhãs
e a música soa:
no orfeão de rãs
solfeja a lagoa,
sola um sabiá
modula a garoa,
lírios pedem bis...
...e quem tem o dom,
pega no ar,
quem sai do tom,
deixa pra lá...
Música pra mim
é um grito de socorro,
se termina eu também morro.
Ela é my body and soul
e vem o corvo do Allan Poe
e prega um nevermore geral
- cinzas, Fênix
reciclando o meu carnaval.
Música pra mim
não é um megaevento,
é um pega-pra-capar,
questão de sentimento:
o afogado em pleno mar
que agarra a mão do vento e ri,
usa o sofrimento pra poder flutuar...
Ouça Fatima Guedes cantando Samba de Um Breque aqui.
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