quarta-feira, 4 de maio de 2011
Brejo da Cruz
Do disco Chico Buarque, de 1984, Brejo da Cruz é outro retrato super atual da criança no cancioneiro da música popular no Brasil. Aqui Chico amplia o retrato revelando a diversidade de "milhões desses seres que se disfarçam tão bem", que um dia já foram as crianças do Brejo da Cruz - embora não se lembrem dele.
Brejo da Cruz
Chico Buarque
A novidade
Que tem no Brejo da Cruz
É a criançada
Se alimentar de luz
Alucinados
Meninos ficando azuis
E desencarnando
Lá no Brejo da Cruz
Eletrizados
Cruzam os céus do Brasil
Na rodoviária
Assumem formas mil
Uns vendem fumo
Tem uns que viram Jesus
Muito sanfoneiro
Cego tocando blues
Uns têm saudade
E dançam maracatus
Uns atiram pedra
Outros passeiam nus
Mas há milhões desses seres
Que se disfarçam tão bem
Que ninguém pergunta
De onde essa gente vem
São jardineiros
Guardas noturnos, casais
São passageiros
Bombeiros e babás
Já nem se lembram
Que existe um Brejo da Cruz
Que eram crianças
E que comiam luz
São faxineiros
Balançam nas construções
São bilheteiras
Baleiros e garçons
Já nem se lembram
Que existe um Brejo da Cruz
Que eram crianças
E que comiam luz
Áudio Chico Buarque (também aqui)
O Meu Guri
O Meu Guri, de Chico Buarque, foi lançada em seu álbum Almanaque, de 1981. Novamente o desenho mágico do mestre, o retrato do seu guri por sua mãe. Chocante!
O Meu Guri
Chico Buarque
Quando, seu moço
Nasceu meu rebento
Não era o momento
Dele rebentar
Já foi nascendo
Com cara de fome
E eu não tinha nem nome
Pra lhe dar
Como fui levando
Não sei lhe explicar
Fui assim levando
Ele a me levar
E na sua meninice
Ele um dia me disse
Que chegava lá
Olha aí! Olha aí!
Olha aí!
Ai, o meu guri, olha aí!
Olha aí!
É o meu guri e ele chega!
Chega suado
E veloz do batente
Traz sempre um presente
Pra me encabular
Tanta corrente de ouro
Seu moço!
Que haja pescoço
Pra enfiar
Me trouxe uma bolsa
Já com tudo dentro
Chave, caderneta
Terço e patuá
Um lenço e uma penca
De documentos
Práafinalmente
Eu me identificar
Olha aí!
Olha aí!
Ai, o meu guri, olha aí!
Olha aí!
É o meu guri e ele chega!
Chega no morro
Com carregamento
Pulseira, cimento
Relógio, pneu, gravador
Rezo até ele chegar
Cá no alto
Essa onda de assaltos
Tá um horror
Eu consolo ele
Ele me consola
Boto ele no colo
Pra ele me ninar
De repente acordo
Olho pro lado
E o danado já foi trabalhar
Olha aí!
Olha aí!
Ai, o meu guri, olha aí!
Olha aí!
É o meu guri e ele chega!
Chega estampado
Manchete, retrato
Com venda nos olhos
Legenda e as iniciais
Eu não entendo essa gente
Seu moço!
Fazendo alvoroço demais
O guri no mato
Acho que tá rindo
Acho que tá lindo
De papo pro ar
Desde o começo eu não disse
Seu moço!
Ele disse que chegava lá
Olha aí! Olha aí!
Olha aí!
Ai o meu guri, olha aí
Olha aí!
E o meu guri!...
Áudio Chico Buarque
Pivete
Eis o segundo retrato da série infância na música popular, e se chama Pivete, de Francis Hime e Chico Buarque. Este a gravou em dois de seus discos de carreira: Chico Buarque, de 1978, e Paratodos, de 1993. Aqui o Pivete apronta vários de seus pequenos delitos, e o cenário da cidade Rio de Janeiro é apresentado conforme o deslocamento no nosso protagonista. Na segunda versão da música, Chico atualizou o perfil do Pivete, agora plurilíngue: "monsieur have money per mangiare", e trocou Emersão por Airtão, referência aos pilotos Emerson Fittipaldi e Ayrton Senna.
Pivete
Francis Hime e Chico Buarque
(Monsieur have money per mangiare)
No sinal fechado
Ele vende chiclete
Capricha na flanela
E se chama Pelé
Pinta na janela
Batalha algum trocado
Aponta um canivete
E até
Dobra a Carioca, olerê
Desce a Frei Caneca, olará
Se manda pra Tijuca
Sobe o Borel
Meio se maloca
Agita numa boca
Descola uma mutuca
E um papel
Sonha aquela mina, olerê
Prancha, parafina, olará
Dorme gente fina
Acorda pinel
Zanza na sarjeta
Fatura uma besteira
E tem as pernas tortas
E se chama Mané
Arromba uma porta
Faz ligação direta
Engata uma primeira
E até
Dobra a Carioca, olerê
Desce a Frei Caneca, olará
Se manda pra Tijuca
Na contramão
Dança para-lama
Já era para-choque
Agora ele se chama
Emersão (Airtão)
Sobe no passeio, olerê
Pega no Recreio, olará
Não se liga em freio
Nem direção
No sinal fechado
Ele transa chiclete
E se chama pivete
E pinta na janela
Capricha na flanela
Descola uma bereta
Batalha na sarjeta
E tem as pernas tortas
Áudio Chico Buarque (1978)
Vídeo Chico Buarque (1993)
terça-feira, 3 de maio de 2011
Moleque
Foto: Wilton Montenegro
Esta postagem inicia um novo tema: retratos da infância na música popular. Hoje apresento Moleque, do saudoso Gonzaguinha, que nos deixou há 20 anos, embora esteja sempre presente todo dia, toda hora em suas músicas sempre tão inspiradas e inspiradoras. A ideia desse tema surgiu a partir da foto acima, do encarte do disco Moleque Gonzaguinha, de 1977. Me lembrei que há também outras canções muito interessantes que retratam a situação de muitas crianças, no panorama daquela época, o que já prenunciava - infelizmente - o nosso tempo hoje. O vídeo com Gonzaguinha postado aqui é provavelmente do V Festival da Música Popular Brasileira, veiculado pela TV Record em 1969, cuja seleção de 12 finalistas - incluindo a vencedora Sinal Fechado, de Paulinho da Viola - foi lançada em LP no mesmo ano (por razões contratuais, no disco Paulinho não pôde participar e Sinal Fechado foi então interpretada pelo MPB-4). Gonzaguinha também lançaria essa música, como novo arranjo, em seu álbum de estreia, de 1973, e no disco de 1977 já citado.
Moleque
Gonzaguinha
No tiro, estilingue, bodoque
O teco, o toque, o coque
No quengo, na cuca, cabeça
De qualquer caraça avessa
Qualquer carantonha fechada
Azeda de feia zangada
Que mexa, chateia, me bula
Pra ver quanto alto sapo pula
Pedra vai levar.
Ah! Moleque, se um dia eu te pego
Erva daninha, estrepe
De ripa, marmelo te esfrego
Moleque, vem cá
Moleque, moleque, vem cá
Moleque
Ah! Não, não eu não vou lá.
Vem me pegar, quero ver.
De mão, de pé, pau cajado
No tapa, na briga me acabo
Revolvo, reviro, decido
E mesmo no ganho ou perdido
Me amigo ao amigo inimigo,
Me livro do mal e do perigo
De bicho pelado que trança
Ideias de uma vingança,
Que é pra me cuidar
Ah! Moleque, se um dia eu te pego...
Fruto gostoso, desejado
Lua, vizinho, cuidado,
Cercadura, arame rela
Rosto, rosa, luz, janela
Siu, assovio, voz rouca,
Beijo estalado na boca
Depois a corrida abraçado
No peito o gosto de um amor roubado
Que é só pra provar.
Ah! Moleque, se um dia eu te pego...
No medo, não tremo, não corro
Avanço, me lanço, estouro
Valente, eito combato
E ao mesmo tempo me trato
Covarde na sabedoria
Que ergue, cresce, se cria
Só na hora boa e precisa
E corta o mal bem onde enraíza
Que é pra não voltar.
Ah! Moleque, se um dia eu te pego...
Vídeo Gonzaguinha
domingo, 1 de maio de 2011
Carinhoso
Carinhoso, de Pixinguinha, dispensa apresentações. É simplesmente o clássico do clássico do choro. Composta em 1917, levou mais de dez anos para chegar ao disco sendo gravada pela Orquestra Típica Pixinguinha-Donga em 1928, gravação postada aqui. Ao belo tema musical foi acrescentada a letra de Braguinha em 1937, sendo então gravada por Orlando Silva, que tornou a canção um grande sucesso. Também apresento nesta postagem a gravação do cantor das multidões.
Carinhoso
Pixinguinha
Instrumental
Áudio Orquestra Típica Pixinguinha-Donga (também aqui)
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